Menina da mãe

Sempre fui a menina do pai. A que brinca com o pai, vai com o pai a todo o lado de mão dada e orgulhosa exibe aquele sorriso na cara, esperando ter um homem igualzinho ao pai quando for mulher. Mas não tenho, nunca tive e dificilmente encontrarei. Sabem porquê ? Talvez porque seja muito mais a menina da mãe. Esta força interior, este poder que me move e me faz ir mais além e vencer, esta capacidade de andar sempre de cabeça erguida na rua, sorrir quando apetece chorar, andar mais uns metros quando as pernas já só querem descansar, inventar uma refeição depois de anos a cozinhar todos os dias sem que haja uma sugestão na escolha... Esta vontade constante de amar mesmo com o coração tantas vezes despedaçado por quem é limitado no amor, este estado de alma em que os passarinhos cantam enquanto aproveito para ver as diversas formas que as nuvens tomam no céu, a predisposição para ouvir os outros de coração aberto e após tantas vezes ludibriada continuar a fazê-lo cada vez mais por acreditar que o ser humano é um ser incompreendido e maravilhoso... sim, tudo isto vem da minha mãe e das mulheres da minha família. Ser Mulher é um desafio constante e eterno. Desde que nascemos. Nasci com uma liberdade enorme no peito da qual cada vez mais usufruo, mas tem sido um processo crescente e cuidadoso. A sociedade não está preparada para lidar com a capacidade feminina. Somos o anjo, somos o diabo, somos estranhas e maravilhosas, somos bruxas. Temos de estar sempre a pensar em que passo damos, que palavras saem da nossa boca para não ferir susceptibilidades nem sermos mal interpretadas. Saber sentar, saber cruzar as pernas como uma senhora, não descurar o aspecto. Atenção às companhias não vá sermos associadas a relações inapropriadas. Se somos brandas em casa levamos um par de cornos, se somos atrevidas dando aso ao desejo somos put@s. Não há um meio termo. Não interfiram com a minha liberdade ! Esta educação para a perfeição aparente aceitável pela sociedade é um engano, um embuste, e só prejudica a própria sociedade que podia usufruir das capacidades de um ser que é treinado para sobreviver, que sangra todos os meses cerca de 40 anos da sua vida, que carrega os filhos no ventre e sofre abortos muitas vezes só, que trabalha dia e noite seja para ganhar o sustento seja para limpar rabos e apanhar vomitado ou limpar lágrimas embalando aquele choro pela noite dentro... e aguenta-se com as suas olheiras e tez pálida sabendo que perdeu as chamadas horas de sono da beleza que não recupera jamais. Mesmo assim, sorri.
Por tudo isto e muito mais, posso não saber o que quero, mas sei exactamente aquilo que não quero na minha vida. E sim, sou feliz, mas ainda vou ser muito mais porque sou Mulher, sou poderosa !
Obrigada Mãe por me fazeres a Mulher que sou !

(viram o link lá em cima ...?)

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