Entre um gole de café e outro, Leonor pousou a caneca em cima dos papéis de contas já pagas ao longo da semana. Inspirou fundo e expirou pela boca. Pegou outra vez na caneca para ver se ainda tinha café e satisfeita deu mais um trago. O café sempre a reconfortou. Talvez venha daquelas tardes em que a avó preparava a cafeteira velha com café comprado numa ida à cidade, e acompanhava com umas fatias douradas. Aquele aroma quente e envolvente pela doçura com que fora preparado... Que vida tão boa ! Era um tempo em que nem sabia que era feliz ou que o tempo passava depressa. Tinha todos os sonhos do mundo guardados no coração e ganhavam força em cada abraço que a avó lhe dava, carregadinho de amor. Olhava agora pela janela e avaliava o que fora em criança e o que era em adulta. Nunca sabemos o que nos está reservado, o que nos espera em cada esquina da vida. A avó que sempre tinha uma palavra reconfortante e sábia já não estava presente fisicamente. Leonor perguntava-se muitas vezes que lhe aconselharia a avó, cada vez que vacilava no passo a dar. "Coragem, filha"- seriam essas as palavras dela com aquele olhar mareado e preocupado. Nunca indicara o caminho a ninguém, apenas a direção pois a escolha no entroncamento caberia ao caminhante. Dona Francisca era assim, simples, conhecedora da vida, paciente, tolerante, colocava amor em cada gesto. Leonor estava perdida. Precisava daquele conforto de criança. Buscava a avó em cada pomba, em cada brisa, cada dança das folhas das árvores lembrava-lhe o embalo do colo, desejava vê-la no reflexo das águas das fontes... Até que percebeu que todas as respostas às perguntas que pudesse fazer, estariam em si unicamente, dentro do seu peito. É mais fácil quando as respostas nos são dadas, sem que façamos qualquer esforço a não ser perguntar. Abrir o peito, esmiuçar cada cantinho, dói. 

"Coragem, filha".



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